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Jacinta Quelhas

Desde criança que tenho articulações frágeis.

A EA pode surgir na infância, mas não me parece ter sido esse o meu caso.

História de vida com EA

Podemos ter predisposição genética (antigénio HLB27 positivo), mas tem de haver um fator que desencadeia a resposta autoimune do organismo. Pode ser um grande trauma físico ou psicológico. No meu caso foi um envenenamento alimentar, aos 15 anos, provocado por uma couve coração, com pesticida em excesso no interior. Os meus pais e irmão mais velho também ficaram mal. Corremos risco de vida, mas só eu desenvolvi a doença.

A Ea é uma doença autoimune. Quando o nosso corpo sofre uma agressão externa, os nossos anticorpos mobilizam-se para atacar o invasor. Mesmo com a batalha vencida, os nossos soldadinhos não regressam a sua casa e continuam o ataque, desta vez direcionado para as articulações, que já não reconhecem como sendo nossas, confundindo-as com o inimigo.

Os sintomas começaram com dor na zona dos rins, atribuída por uns médicos a problemas de senhoras e, por outros a problemas renais.

Contudo, os exames nada evidenciavam, o que é bastante comum, apesar da dor intensa. Esta dor aparecia do nada, durante a noite, acompanhada de rigidez lombar. Não estava sempre presente. Ia e vinha, perturbando o meu descanso e fazendo-me acordar como se tivesse sido atropelada por um camião.

Anos mais tarde, tive o meu primeiro filho, sentindo já algum desconforto na dorsal e lombar. Depois, veio o segundo e, foi após o parto deste que tudo se complicou. Tirar a criança do berço, dar-lhe de mamar, inclinar-me para lhe mudar as fraldas, abrir gavetas baixas, tudo se tornava um suplício. O bebé não dormia, nem de dia, nem de noite, solicitando insistentemente a nossa atenção. Ao fim de alguns meses estava em depressão.

Nas férias, tinha muita dificuldade em estar deitada na areia, de barriga para baixo.

No regresso do Algarve, depois de uma longa viagem, (naquele tempo era assim) não conseguia sair do carro. Estive em crise de coluna lombar mais de um mês de cama, a cortisona injetável. Aumentei brutalmente de peso, o que só veio agravar as dores.

Comecei a fazer osteopatia, mas o médico percebeu, ao fim de umas sessões, que o problema não tinha só a ver com uma hérnia e enviou-me para neurocirurgia. Prestes a marcar a operação, o médico virou-me de barriga para baixo e comprimiu-me as sacroilíacas. A dor intensa levou-o a por de parte a cirurgia e encaminhar-me para reumatologia. O diagnóstico surgiu pouco tempo depois. Desci o elevador, abri a carta e dei um murro na mesa: esta doença não me iria vencer! Nessa altura, já tinha umas noções do que era a espondilite, pois um médico meu amigo, sempre suspeitara dela.

O reumatologista medicou-me com anti-inflamatórios. Nessa altura as crises surgiam com febres baixas, fraqueza geral e dor. Comecei a ter problemas não só na coluna e nas sacroilíacas, mas também noutras articulações: tornozelos, joelhos, cotovelos, ombros. Iniciei o tratamento com Salazopirina, mas, pouco tempo depois, tive de parar, por alterações no fígado e fortes dor de cabeça.

Cada vez se tornava mais difícil trabalhar. Naquela altura podia-se pedir redução de horário. Foi o que fiz e me ajudou. Na junta os médicos disseram-me para tratar da reforma e eu recusei: – Aos trinta e dois anos? Nem pensar, senhor doutor! Tenho dois filhos para criar.

Nessa altura já estava sozinha. Os conflitos em casa agravavam-se por causa da minha doença e devido à hiperatividade meu filho mais novo. Pouco tempo depois, o meu marido admitiu que tinha outra pessoa e saiu de casa.

Tudo desabou à minha volta.

A minha mãe, quando soube do divórcio, teve um enfarte e vários AVcs. Tinha de cuidar dela e do meu pai. O pai dos meus filhos forçava em tribunal a venda rápida da casa. Não tinha dinheiro para dar entrada para uma casa, não havia casas para alugar e ele queria a custódia das crianças, pressionando-me por todos os meios, chegando mesmo a alegar que eu não era capaz de criar os meus filhos.

A minha mãe acabou por falecer e eu inundei-me de culpas que não tinha.

Com o tempo, outras doenças acompanharam a EA: fibromialgia, hipotiroidismo, apneia do sono.

Os conflitos na escola agravavam-se. A lei mudara e era obrigada a fazer horário completo. De nada adiantavam os pedidos dos médicos para aligeirar tarefas e ter melhores condições de trabalho. Carregava livros, pastas, computador e brinquedos escada acima, escada abaixo, de escola para escola. As reuniões ao final do dia deixavam-me de rastos e aquele telefonema para a escola, a dizer que não podia ir trabalhar no dia seguinte, custava-me horrores e pesava-me tanto na consciência!

Estou agora aposentada por invalidez, mas dava aulas de Inglês e Português no Secundário. Adorava dar aulas, sempre fui muito ativa: judo, montanhismo, natação. Lesionava-me com facilidade agora, mas tentava sempre fazer exercício.

A minha doença levou-me já seis vezes à mesa de operações.

Tendões, ligamentos, músculos, ossos, articulações alimentam este monstro que me devora por dentro.

Aceitar? Só aceitei quando consegui reformar-me. Há vários anos que faço psicoterapia para me livrar dos sentimentos de culpa e dos traumas do meu passado.

Agora sorrio e faço o que gosto, ao meu ritmo, organizando a minha vida em função das minhas necessidades e do meu estado de saúde.

E não, não é egoísmo.

É autodefesa!

Agosto de 2021