
Generosa Magalhães
Olá, eu sou a Generosa, tenho 59 anos e tenho dor crónica, embora não me encaixe em nenhuma doença especifica.
Desde que me conheço como gente, sempre estava doente.
Durante 5 anos fui única de filha, sobrinha e neta e não me deixavam estar ou brincar com outras crianças porque “era doente e fraquinha”. Vivi toda a vida sob esse estigma.
A minha história
Desde pequena as febres não me largavam e quase mês sim, mês sim lá vinha a penicilina. Aos 6 anos fiz a minha 1ª intervenção, Amigdalectomia.
A minha vida melhorou consideravelmente, mas não deixei de ter Sarampo, Varicela, Gastroenterites.
Aos nos 9 anos, enquanto brincava com o meu cão segurando-o pelo cadeado numa mão e com uma cana de girassol na outra, caí e espetei a cana numa canela da perna. Como tinha uma tia enfermeira fez-me o curativo e a ferida sarou por fora, mas os dias passaram e comecei a sentir-me fraca, não conseguia estar sobre a perna e todo o meu corpo queria enrolar como um caracol. Fui levada ao posto de saúde, a minha pediatra não se encontrava de serviço e a médica da urgência decidiu enviar-me a Estomatologia (sim, nessa altura ainda existiam dentistas nos C.S.), que resolveu extrair um molar. Como eu já não abria os maxilares colocaram-me um instrumento que mais parecia um “macaco de automóvel” e enviaram-me para casa com antibiótico para a infeção da gengiva e possivelmente, uma faringite.
No dia seguinte começaram os delírios. Novamente fui levada para o centro de saúde, onde já se encontrava a minha pediatra que mal olhou para mim, disse que tinham de me levar para o hospital de Sº João porque estava com o Tétano.
No hospital fui para o serviço de infetocontagiosos onde permaneci em como por dois meses com paragens respiratórias pelo meio. Quando saí do coma ainda permaneci por mais dois meses no hospital pois as minhas pernas ficaram com atrofia muscular e assim continuei por mais uns 6 meses.
Prova superada.
Eu não expliquei que fui criada com os meus avós e tios maternos até aos 10 anos. Como os médicos disseram que “apanhei” o Tétano devido à falta da vacina (esquecimento da minha avó) os meus pais resolveram então levar-me para casa para ser criada por (d)eles. Deixei de ser a flor de estufa, mas as dores continuaram.
Vou contar só uma passagem engraçada, a minha irmã foi a minha prenda dos 10 anos, nasceu no dia 12 de março tal como eu.
A partir do tétano tinha dores constantes de ossos principalmente no inverno. A minha pediatra passou-me vários exames onde me foi diagnosticado Reumatismo Agudo do Coração. Cresci com isso, mas nunca foi dada grande importância à doença.
Aos 24 anos caso, fui viver com os meus sogros e certo dia fico na cama por causa de uma forte Enxaqueca, dor que me perseguiu toda a vida. Como a maldita dor não queria passar a minha sogra resolveu avaliar a temperatura e eu estava com 40ª de febre e levou-me para o hospital de Gaia onde estive internada em OBS por uma semana. Foi-me diagnosticada uma Meningite Viral. Após oito dias a ser tratada com paracetamol fui enviada para casa.
A minha vida continuou pelo tempo fora, ora com enxaquecas ora com dores de ossos até que aos 30 anos de idade, após o nascimento do meu segundo filho, num mês recuperei os 17 quilos que tinha engordo mais 3, no total de aproximadamente 20 quilos. E porquê? Porque fui afetada por “centenas” de úlceras na boca que me impediam de comer. Falta-me dizer que nessa altura eu era funcionária administrativa do Hospital Distrital de Matosinhos. Uma das nossas médicas resolveu diagnosticar-me Doença de Behçet, à qual outros colegas discordaram dizendo que não passava de uma falta vitamínica pós-parto.
Como eu era uma pessoa cismática e um pouco medrosa, ao saber que essa doença poderia ser transmitida aos filhos (já tinha dois) pedi para fazer a laqueação e lá fiz a minha 2ª intervenção, intervenção essa que correu mal porque apanhei uma bactéria no bloco e a incisão abriu (como diziam os médicos, tudo acontecia quando tratavam funcionárias).
Aos 31 anos, comecei a perder urina, recorri à minha ginecologista que ao observar-me detetou um enorme papo na uretra e enviou-me para urologia que disse tratar-se de um quisto na glândula de Skene. Marcaram a remoção do dito para o dia seguinte no ambulatório, mas as coisas complicaram. O quisto estava “colado” à bexiga e uretra, rasgando esta última, por isso a perda do pus. 3ª intervenção.
Aos 41 anos, comecei a perder, desta vez sim, urina ao fazer esforços ou simplesmente a rir. Fui a uma consulta de urologia, diagnosticaram uma incontinência por esforço e vem a 4ª intervenção para colocação de um sling (rede) para sustentação da bexiga.
Aos 43/44 anos começo com perdas de sangue constantes e dores ao ter relações sexuais, facto que fui desvalorizando até que numa das minhas dádivas de sangue me impediram de dar sangue porque estava com anemia. Após falar com médica de família fui enviada para ginecologia. Foram detetados vários miomas e pólipos e grande quisto num dos ovários. Após variados tratamentos inglória, vem a decisão da 5ª intervenção, Histerectomia total bilateral. Foram-me retirados o útero e os dois ovários. O exame de anatomia patológica constatou que eu tinha HPV- Vírus Papiloma Humano.
Em 2002, fui colocada numa IPSS centro de dia e apoio domiciliário para informatização do serviço administrativo. Após 3 meses ofereci-me para fazer domicílios a idosos e o bichinho ficou.
Em 2008, após alguns anos desempregada e ser difícil devido à idade, arranjar emprego na minha área, surge a oportunidade de trabalhar como auxiliar de lar (atualmente designado como assistente operacional) mas para mim o termo mais correto é o de cuidadora.
Falando um pouco da minha nova e nobre profissão, a função de cuidadora na realidade do nosso país, não é tão linda nem tão nobre como dizem os entendidos. Não cuidamos a par como mandam as leis porque os rácios da segurança social (x utentes para y cuidadores) é muito baixo e demonstra que querem cria essas leis não têm noção que um utente não é igual ao outro, apesar de ter a mesma doença e o tempo que demoramos com um não é igual ao que demoramos com o outro. A utente mais pesada que cuidei muitas vezes sozinha, pesava 136 kg.
Não temos tempo para lhe dedicarmos atenção que eles nos pedem nem merecem.
Assim começa a minha saga de maleitas e que arruinou, por assim dizer, a minha saúde física e mental.
Em 2010, ao tentar sozinha levantar do leito uma utente de 102 kg, desloquei um ombro e fui enviada para o seguro da empresa que tratou o que achavam ser provocado pelo acidente e aconselhando-me a recorrer à médica de família por outros problemas encontrados na TAC, mas que não tinham nada a ver com o acidente.
Após exames realizados a pedido da médica, surgem as seguintes mazelas:
- Procidência, protusão da cervical;
- Rectilinização dos ráquis;
- Alterações de natureza degenerativa;
- Formações císticas na glândula tiroide, aconselhando investigação por outros métodos (a primeira vez que é detetado o meu Carcinoma papilar da tiroide maligno que durante 2 anos é desvalorizado pela médica de família).
- Procidências, abaulamentos e artroses na lombar;
- Enostose na Sacro;
- Hemangioma no ilíaco com aconselhamento a reavaliação por outros métodos.
Por favor, não me perguntem o que quer dizer todos estes termos, pois copiei-os dos relatórios clínicos. Durante alguns anos foram desvalorizados pelos ortopedistas que me seguiam e fui enviada por eles para a consulta de “Dor Crónica” onde sou seguida até aos dias de hoje.
A nível profissional, as palavrinhas “natureza degenerativa” prejudicaram imenso, pois era uma forma de não me quererem enviar para o seguro profissional.
Em 2012, após falecimento de meu pai por cancro do pâncreas, enfarte da minha irmã (39 anos) seguido de cancro por HPV, sou eu operada ao cancro da tiroide, tipo 4, (6ª intervenção cirúrgica). Seguidamente fiz tratamento com Iodo radioativo. Ainda continuo nos dias de hoje a ser vigiada por oncologia.
Em 2013, após queixas de mau estar geral durante semanas e mais uma vez desvalorizadas, tenho episódio de AIT- Acidente Isquémico Transitório, enquanto conduzia, provavelmente provocado pela minha depressão crónica existente desde 2000, após suicídio do marido da minha irmã e tentativa da parte dela. Elas não matam mas aleijam.
Em 2013 fiz uma lesão ao tentar desenroscar um com esmagador de comprimidos, é-me diagnosticada uma osteocondrose de Keinbock (??) que me levou passado quatro anos a ser intervencionada, após repetir os mesmos exames por discordância dos imagiologistas e ortopedistas.
Em 2017 faço a minha 10ª intervenção com Remoção de cartilagem do cúbito e libertação do canal cárpico. No mesmo ano sofro outro acidente de trabalho onde fraturo o pé esquerdo em dois sítios que me leva a uma recuperação de 2 meses.
Não posso esquecer que entre 2012 e 2017, a pedido da medicina da dor fiz 3 procedimentos clínicos denominados de “Bloqueio dos nervos periféricos e do ª e simpático e Bloqueio lateral medial lombar”, ou seja, bloqueio da dor (7ª, 8ª e 9ª intervenções cirúrgicas).
Vou resumir sem grandes detalhes as restantes cirurgias e maleitas que me foram surgindo a partir de 2018:
- Agravamento das artroses da anca (aparecimento de esporão), joelho e pé esquerdos;
- Agravamento de lesão sacroilíaca;
- Rutura do Ligamento Cruzado Anterior JD (11ª intervenção cirúrgica);
- Acordo de finalização de trabalho por parte patronato (após 2 anos de assédio moral, mas com desculpa das repetidas baixas médicas);
- Relatório de médico de trabalho, impede-me de continuar a exercer as funções de “cuidadora” devido aos problemas da minha estrutura óssea com dores constantes.
- Agravamento da depressão devido ao “luto” do término da minha profissão mais pandemia.
- Enviada para saúde mental para o HPH pela médica de família onde estou presa até à data.
Em março de 2019, pouco antes do confinamento, vou a uma consulta de reumatologia onde o médico me comunica que não relaciona as minhas dores a nenhuma doença específica, mas dores generalizadas.
Eis a minha história de vida com dias bons e dias menos bons.
Tenho a agradecer a grande ajuda da Associação da Pessoa com Dor – Força 3P que me vai ajudando a viver um dia de cada vez. Um grande bem-haja.
Maio de 2021